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OUTRAS VOZES
Uma grande cantora é aquela que sabe o que está cantando. Enxerga na letra a extensão da sua voz e do seu sentimento. Uma grande cantora é uma grande leitora de poesia. Porque, sem querer entrar em velhas polêmicas, toda boa letra de música é poesia cantada.
Fabiana Cozza é uma dessas cantoras. E leitoras. Quem acompanha a carreira dela, sente a sua entrega completa em clássicos do samba, da MPB, do jazz. Ela nos ajuda a ouvir melhor Noel Rosa, Dona Ivone Lara, Cartola. Projeta em seus discos, com categoria, os versos de jovens compositores como arrudA, Kiko Dinucci e Leandro Medina.
Reconhecida como intérprete, saudada por artistas como Maria Bethânia, Paulo César Pinheiro e Leny Andrade, e já tendo recebido inclusive o Prêmio da Música Brasileira na categoria Melhor Cantora de Samba, Fabiana Cozza agora estreia do outro lado – ou, pelo menos, assume onde sempre esteve: bebendo na fonte da poesia.
Álbum Duplo é sua estreia como poeta. Chico César, na apresentação do livro, diz que “trata-se de escrita apaixonada num rito profundo de controle sobre o que é dito mas, principalmente, como é dito”. A escritora Noemi Jaffe pede para que escutemos, ao ler as poesias, “um samba que toca nas entrelinhas”.
Dividido em duas vozes, Álbum Duplo nos apresenta as palavras da poeta Euzébia Santos e Martha Gonzales, ambas extensões da alma da cantora.
Euzébia é o lado mineiro de Fabiana, ressaltado por uma poética mais interiorana, das coisas simples, das “sombras distraídas”, das brasas e das saudades. Uma ancestralidade que pulsa em cada canto/linha. Martha já traz o tom mais passional, latino, urbano, que sente mais para fora do que para dentro, é aquela que escreve em um espanhol caliente e ferido.
A escritora Livia Garcia-Roza é quem melhor define essas duas mulheres que vêm habitar a cantora-autora. São “duas línguas. Duas longas asas que se transformam em manifesta poesia”. Donas de uma mesma solidão, ao que parece.
Não é difícil ler o pequeno e enxuto livro de Fabiana Cozza e imaginar uma luz em cada uma das poetas que ela criou. Em um mesmo palco, a lamparina, o fogo de Minas (Euzébia Santos). Logo em seguida, o corte transversal de uma luz de cabaré, no canto de uma sala, uma chama latina (Martha Gonzales).
Álbum Duplo traz também para cena a editora Pedra Papel Tesoura, que tem como criador o poeta mineiro Bruno Brum. É o começo de um projeto que pretende inovar com publicações de livros inéditos, de autores consagrados, a obras de artistas que, reconhecidos em outras áreas, chegam à literatura de forma original e igualmente pulsante.
Com Fabiana Cozza, esta trilha começa, sim, muito bem.
Marcelino Freire
Livro: “Álbum Duplo”
Autora: Fabiana Cozza
Editora: Pedra Papel Tesoura
Páginas: 64
Preço: R$35,00